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domingo, 11 de novembro de 2007

Compensação de horas: o que diz a lei

COMPENSAÇÃO DE JORNADAS

Embora a Constituição estabeleça a supramencionada duração do trabalho, o mesmo texto constitucional permite a estipulação da chamada compensação de jornadas (art. 7º, inciso XIII: "duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho").

Consiste a compensação de jornadas no aumento da jornada, até o limite de dez horas, em determinados dias da semana para redução ou supressão da mesma em outro ou outros dias.

Essa compensação deve ser feita em até um ano, como prevê o §2º do art. 59 da CLT, sendo certo que a 4ª Turma do TST, em recente decisão – unânime -, expôs seu entendimento no sentido de não ser possível que a compensação de jornadas seja feita em período superior ao determinado em lei, não obstante tenha determinado a dedução das horas extras pagas nos mesmos meses.

Muito se discute sobre qual o instrumento jurídico apto a tornar válido tal procedimento.

Parte da doutrina e da jurisprudência entende que somente será possível prever a compensação de jornadas mediante acordo coletivo de trabalho (celebrado entre o sindicato que representa a categoria profissional e o empregador) ou convenção coletiva de trabalho (celebrado entre os sindicatos que representam as categorias profissional e econômica).

Para essa corrente, quando o legislador constitucional pretendeu permitir que empregado e empregador pudessem negociar direitos através de acordo individual o fez expressamente, o que também ocorreu quando teve intenção de restringir tal negociação aos instrumentos coletivos (acordos coletivos de trabalho, convenções coletivas de trabalho e acórdãos normativos).

Aduzem, ainda, que o caput do art. 7º da Constituição trata de condições mais favoráveis aos trabalhadores e o atual regime de compensação, como previsto no art. 59, §2º, da CLT, com redação dada pela Lei 9.601, que introduziu o denominado "banco de horas", é prejudicial aos mesmos, uma vez que permite seja ajustada a compensação em período de um ano (redação dada pela Medida Provisória 2.164-41/2001) e não mais dentro da mesma semana (redação original do art. 59, §2º, da CLT) ou do mesmo mês (interpretação jurisprudencial ampliativa do art. 59, §2º, da CLT em sua redação original) ou mesmo do período de 120 dias, como determinado pela Medida Provisória 1.709, de 1998.

Há mesmo quem diga ser inconstitucional a Lei 9.601 no particular, por afrontar o disposto no art. 7º, caput e inciso XXII, da Constituição.

De outro lado, entende-se possível a previsão de compensação de jornadas mediante acordo individual celebrado entre empregado e empregador.

Essa interpretação seria possível por ter a Constituição se utilizado da ambigüidade semântica da palavra acordo quando a vinculou ao regime de compensação de jornadas, ao contrário do que fez quando buscou evitar essa mesma ambigüidade em outras situações existentes em seu texto. Sustentam os defensores desse entendimento que no inciso XIII do art. 7º da Constituição lê-se "facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho". De forma intencional o legislador constitucional colocou o verbete acordo afastado da qualificação (restritiva) coletivo. Essa intenção ficaria clara ao examinarmos os incisos VI e XIV do art. 7º da Constituição, que tratam da redução de salário, com a expressão "convenção ou acordo coletivo" invertidos, e da ampliação da jornada dos empregados que trabalham em turnos ininterruptos de revezamento, que usa a expressão "negociação coletiva", respectivamente, impedindo qualquer dubiedade de interpretação.

Além disso, a compensação de jornadas seria favorável ao empregado, ampliando seus dias de disponibilidade familiar e social, através do ajuste na distribuição das horas trabalhadas no dia ou na semana, sem elevação da quantidade de horas trabalhadas na semana. Por isso, não seria crível que a Constituição, pretendendo criar ordem jurídica mais favorável ao empregado, como disposto no caput do art. 7º, restringisse a pactuação de fórmula mais benéfica aos mesmos. Mais ainda, sabe-se que acordo coletivo e convenção coletiva são instrumentos de rara pactuação por micro e pequenos empreendimentos, o que inviabilizaria a adoção desse regime, favorável aos empregados, repita-se, nesses segmentos econômicos, onde atualmente se encontra grande parte da população economicamente ativa do país. Igualmente, sendo vedada a celebração de acordos coletivos e convenções coletivas por pessoas jurídicas de Direito Público, seria inviável a pactuação do regime de compensação de jornada para os chamados empregados públicos, em flagrante prejuízo aos mesmos.

Deve ser destacado que a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) é pacífica quanto à possibilidade de compensação de jornadas prevista em acordo individual, como se verifica em sua súmula 85, aqui transcrita:

"COMPENSAÇÃO DE JORNADAS

I-A compensação de jornada de trabalho deve ser ajustada por acordo individual escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva.

II-O acordo individual para compensação de horas é válido, salvo se houver norma coletiva em sentido contrário.

III-O mero não atendimento das exigências legais para a compensação de jornada, inclusive quando encetada mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária, se não dilatada a jornada máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional.

IV_A prestação de horas extras habituais descaracteriza o acordo de compensação de jornada. Nesta hipótese, as horas que ultrapassarem a jornada semanal normal deverão ser pagas como horas extraordinárias e, quanto àquelas destinadas à compensação, deverá ser pago a mais apenas o adicional por trabalho extraordinário".(redação dada pela Resolução 129 do Tribunal Pleno do TST, com incorporação das orientações jurisprudenciais 182, 220 e 223 da SDI-I do TST).

Embora pertinentes os argumentos utilizados pelos defensores da previsão de compensação de jornadas restrita aos instrumentos coletivos, entendia mais consentânea à realidade do país a possibilidade de que tal fosse previsto também mediante acordo individual, notadamente quando flagrante o benefício do mesmo decorrente ao empregado.

Ocorre que a Lei 9.601 criou novo regime de compensação de jornadas, com ampliação do período em que será possível fazê-lo, inicialmente de um ano e, posteriormente, reduzido para 120 dias pela Medida Provisória 1.709, de 1998.

Aqui, interessante notar que o projeto de lei original (Projeto de Lei 1.724/96, oriundo da Mensagem 257/96) tem em seu texto as expressões invertidas ("mediante convenção ou acordo coletivo de trabalho"), o que torna impossível admitir a compensação de jornadas mediante acordo individual. Acredito, no particular, que o legislador estava ciente de que o novo regime de compensação de jornadas ampliaria o desgaste dos empregados na prestação de trabalho e, conseqüentemente, dos riscos inerentes à mesma, razão pela qual procurou eliminar qualquer dúvida quanto à natureza do instrumento apto a prever o regime compensatório anual.

Assim, após a publicação da Lei 9.601, que instituiu o chamado "banco de horas", não mais é possível a celebração de acordo individual para estipulação do regime de compensação de jornadas, mesmo considerando a redução do período para tanto constante da Medida Provisória 1.709, pois, nessa hipótese, o regime compensatório deixa de constituir procedimento mais favorável ao empregado; pelo contrário, conspira contra medidas de saúde e segurança do trabalho, cujo implemento é garantido pela Constituição (art. 7º, XXII).

Esse entendimento é reforçado como a nova reforma ao §2º do art. 59 da CLT pela medida provisória 2.164-41/2001, que trouxe de volta o prazo de um ano para compensação de jornadas.

Assim é que o legislador infraconstitucional, ao criar novo regime de compensação de jornadas, diferente daquele originariamente previsto na CLT, e prejudicial à saúde e segurança do empregado, não pode determinar que tal regime seja pactuado sem a tutela sindical encontrada na negociação coletiva. Acaso não acolhida a tese de inconstitucionalidade dessa nova figura – por afronta ao caput e ao inciso XXII do art. 7º da Constituição -, não é possível permitir sua implementação por outra forma que não através de acordo coletivo e convenção coletiva, uma vez que é sabido não ser viável à transação bilateral estipular redução de direitos dos empregados.

Portanto, entendo que, hoje, o regime de compensação de jornadas, alterado pela Lei 9.601, somente pode ser pactuado através de acordo coletivo ou convenção coletiva, sendo inválido o acordo bilateral entre empregado e empregador, embora ciente de ser este entendimento contrário àquele consubstanciado na Súmula 85 do TST. Isso porque não autorizam a Constituição e o próprio Direito do Trabalho, que tem como princípio maior o da proteção ao hipossuficiente, que a transação meramente bilateral, sem tutela sindical, tenha o condão de constituir medidas desfavoráveis à saúde e à segurança dos empregados.

Não podemos olvidar que a falta de previsão escrita para compensação de jornadas (seja bilateral, como entende o TST, seja coletivo, como entendemos) enseja a nulidade do procedimento adotado, ficando o empregador sujeito ao pagamento do adicional de 50% sobre as horas excedentes à oitava trabalhada em cada dia, como atesta decisão de 26/05/2006 do TST (embora haja entendimento isolado do eminente e saudoso Valentin Carrion de ser possível a previsão tácita de compensação de jornadas).

Devo mencionar que o entendimento exposto no item I da súmula 85 do TST (já existente na cancelada Súmula 108 desta Corte) foi reforçado com decisão da Terceira Turma desta Corte, que manteve decisão proferida pelo TRT da 12ª Região (Santa Catarina), no sentido de que o acordo de compensação de jornadas deve ser necessariamente escrito, não podendo ser presumido, uma vez que, embora possa o contrato de trabalho ser regido por certa informalidade, para determinados atos a lei exige forma especial, entre os quais o acordo de compensação de jornadas, sendo considerado sem validade acordo tácito para tanto (destaco que o TRT da 12ª Região (Santa Catarina) considerou ser prescindível a interveniência do sindicato que representa a categoria profissional, sendo válido o acordo individual).

Finalmente, como verificamos no item IV da súmula 85 do TST, a prestação habitual de horas extras enseja a descaracterização do acordo de compensação e o pagamento de horas extras após a 44ª trabalhada na semana e o adicional de 50% sobre as horas destinadas à compensação.

Paulo Cesar Rosso Firmo Júnior

Advogado no Rio de Janeiro (RJ)

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