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segunda-feira, 1 de dezembro de 2008
Para conhecimento da EMDUR
Sindicância e Processo Administrativo Disciplinar
Dênerson Dias Rosa
No início do período colonial, o governo português, para estimular o povoamento, o cultivo e exploração das terras brasileiras, utilizou-se do instituto das sesmarias, atribuindo aos donatários grandes extensões territoriais, mas não submeteu os povoamentos existentes ao controle dos donatários, sendo naqueles estabelecido governo local relativamente “autônomo”, dirigido por um chefe municipal ou procurador e por um conselho ou câmara, composto por habitantes locais, ao qual incumbia as questões “judiciais”, em procedimento semelhante ao adotado, à época, em Portugal.
Com o início do desenvolvimento da colônia brasileira, foi estabelecida a função jurisdicional no Brasil, com a instituição, em meados do século XVI, de um corpo judicial composto de juízes ordinários, com jurisdição municipal ou “de nomeação régia” (juiz-de-fora), e, a partir de 1609, dos tribunais de apelação. Nessa época, de um modo ainda rudimentar, existia no Brasil colonial unidade de jurisdição, posto que as decisões administrativas eram passíveis de submissão ao crivo do Poder Judiciário.
Com a reforma decorrente da Lei de 22 de dezembro de 1761, o Marquês de Pombal instituiu os primórdios do que posteriormente veria a ser denominado de processo administrativo, mediante procedimentos da Administração em revisar e julgar os seus próprios atos, contudo, após a Declaração de Independência e influenciado pelas profundas mudanças políticas e institucionais ocorridas no mundo decorrentes do liberalismo provocado pela revolução francesa, o Imperador D. Pedro I extinguiu, em 1827, todos os órgãos responsáveis por processos administrativos, tendo-os recriado tão somente em 1831.
Mas em 1841, influenciado pelo recém criado contencioso administrativo francês, o Imperador, mais que simplesmente manter a existência do contencioso administrativo, estabeleceu no Brasil a dualidade de jurisdição, instituindo o contencioso administrativo para todas as causas relacionadas com a atuação do Poder Executivo.
Em 1859, foi atribuída força de sentença judicial às decisões do contencioso administrativo, posto que somente poderiam estas ser anuladas pelo Conselho de Estado, em sistema similar ao previsto na Lei Francesa no 16, de 24/05/1870 que estabelecia que “As funções judiciárias são distintas e permanecerão separadas das funções administrativas. Não poderão os juízes, sob pena de prevaricação, perturbar, de qualquer maneira, as atividades dos corpos administrativos”.
Mas como, no sistema geral do contencioso administrativo brasileiro, não havia coordenação e uniformidade, e devido também ao fato de o Conselho de Estado não exercer suas funções com independência e hegemonia, o contencioso administrativo distanciou-se tanto do paradigma francês que Visconde do Uruguay chegou a afirmar que, à exceção do contencioso do Ministério da Fazenda, no mais, era “um verdadeiro caos”.
Com a deposição do Imperador em 1889 e sob a franca inspiração da democracia norte-americana, foi promulgada, em 24 de fevereiro de 1891, a “Constituição da República dos Estados Unidos do Brazil”, a qual consagrou o regime republicano e federativo bem como a separação dos poderes. Neste momento afastou-se o Brasil do sistema de justiça francesa, adotando-se o sistema de jurisdição única, competindo ao Poder Judiciário inclusive as situações anteriormente atribuídas ao contencioso administrativo, à semelhança do que fora feito no sistema norte-americano, quando da promulgação da 5a Emenda, em 1878, que estabeleceu o due process of law.
Apesar de o contencioso administrativo ter continuado a existir no direito brasileiro, foram-lhe retiradas as suas funções jurisdicionais e viu-se este, a partir de então, atribuído tão somente de funções de controle interno da administração, mas, por falta de organização e sistematização, continuou havendo grande sobreposição de procedimentos e repetição de fases processuais entre este e o processo judicial.
Em 1969, por força dos artigos 110 e 111 da Constituição de 1969, in litteris, institucionalizou-se a coexistência do processo administrativo disciplinar com o processo judicial.
“Art. 110. Os litígios decorrentes das relações de trabalho dos servidores com a União, inclusive as autarquias e as empresas públicas federais, qualquer que seja o seu regime jurídico, processar-se-ão e julgar-se-ão perante os juízes federais, devendo ser interposto recurso, se couber, para o Tribunal Federal de Recursos.
Art. 111. A lei poderá criar contencioso administrativo e atribuir-lhe competência para o julgamento das causas mencionadas no artigo anterior.”
Todavia, quando da promulgação da Emenda Constitucional no 7, de 13/04/77, que alterou o §4o do artigo 153 da Constituição de 1969, dando-lhes a redação abaixo transcrita, foi restabelecia, ainda que de forma limitada, a dualidade jurisdicional, ao prever-se que o Poder Judiciário somente poderia ser acionado após serem exauridas as instâncias administrativas.
“§4o A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual. O ingresso em juízo poderá ser condicionado a que se exauram previamente as vias administrativas, desde que não exigida garantia de instância, nem ultrapassado o prazo de cento de oitenta dias para a decisão sobre o pedido.”
Mas em 1988, quando da promulgação da Carta Magna ora em vigor, retornou o instituto do contencioso administrativo a mero procedimento de controle interno da Administração, extinguindo-se a necessidade de sua existência prévia para ingresso em juízo, e, visando extinguir os abusos por vezes ocorrentes nos órgãos contenciosos administrativos, explicitou o direito, já preexistente, à ampla defesa no processo administrativo.
Por conseguinte, resta hoje o contencioso administrativo restrito a questões específicas, especialmente no âmbito tributário, bem como no âmbito funcional da Administração Pública em relação aos seus servidores.
No âmbito funcional, o direito brasileiro atual prevê a figura do processo administrativo disciplinar como competente para apurar e punir faltas praticadas pelos servidores públicos, sem, contudo, retirar ao Poder Judiciário o controle jurisdicional sobre essas questões. Entretanto, tem sido freqüentemente confundido o processo administrativo disciplinar com a figura da sindicância, utilizando-se a Administração desta para aplicar punições, quando somente por meio daquele poderiam estas ser aplicadas.
Processo administrativo disciplinar não se confunde com sindicância, posto que aquele, segundo lecionava o saudoso Prof. Hely Lopes Meirelles, “é o meio de apuração e punição de faltas graves dos servidores públicos e demais pessoas sujeitas ao regime funcional de determinados estabelecimentos da Administração”, e enquanto sindicância, segundo o mesmo ensinador, “é o meio sumário de elucidação de irregularidades no serviço para subseqüente instauração de processo e punição ao infrator,... e não tem base para punição, equiparável ao inquérito policial em relação à ação penal. É o verdadeiro inquérito administrativo que precede o processo administrativo disciplinar.”
Por diversas vezes foram as Cortes Judiciais brasileiras chamadas a se manifestar sobre a matéria, tendo, como nas Ementas abaixo transcritas, traduzido de forma cristalina a essência da sindicância e a distinção desta em relação ao processo administrativo disciplinar.
“EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. Funcionário. Demissão. Procedimento administrativo. Cerceamento de defesa. Lei 8.112/90, art. 132, XIII e art. 117, IX.
I – Sindicância e procedimento administrativo disciplinar: distinção, certo que aquele é, de regra, medida preparatória deste (Lei 8.112/90, artigos 143, 145, 154)”
(STF Pleno, ac. un., MS n.º 21635-PE, Rel. Min. Carlos Velloso, CJ 20/04/95)”
“EMENTA: Constitucional e Administrativo – Militar – Exclusão a bem da Disciplina – Ausência de procedimento administrativo – Devido processo legal – Aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa aos litigantes, em procedimento disciplinar militar – Art. 5o, LV, da CF/88 – Nulidade do ato administrativo.
(TRF 1a Região, 2a turma, Apelação Cível no 100069731, Rel. Juíza Assusete Magalhães, DJ 11/03/94)”
A sindicância possui natureza, não processual, mas de procedimento investigativo, similar ao inquérito policial, configurando-se como mecanismo de elucidação de irregularidades no serviço, podendo transcorrer com informalidade e sem ciência ao investigado, nesse sentido transcreve-se a fundamentação dada pelo ilustre Ministro José Delgado, ao julgar o Agravo de Instrumento no 275892/RJ.
“O inquérito administrativo... constitui mera fase investigatória, assim denominada por sinonímia à expressão sindicância administrativa, que precede ao processo administrativo e que tem por fito apurar a ocorrência de fato ilícito que, uma vez provada a sua materialidade e autoria, propiciarão a instauração deste último, onde se demonstrará a culpabilidade dos indiciados.
Em nada difere do inquérito policial previsto no Código de Processo Penal, tendo o mesmo caráter inquisitório, não constituindo constrangimento ilegal a sua instauração contra qualquer cidadão.
...O inquérito administrativo precede o processo administrativo disciplinar, tal como o inquérito policial antecede à ação penal.
...O contraditório só se instalará após a instauração do processo administrativo, instruído com o que se apurar no inquérito administrativo.
...Dispensa defesa do sindicato e publicidade seu procedimento por se tratar de simples expediente de verificação de irregularidade e não de base para punição, equiparável ao inquérito policial em relação à ação penal. É o verdadeiro inquérito administrativo que precede o processo administrativo disciplinar.
Simples investigação de fatos e da eventual responsabilidade pela sua prática, caso ilícitos, inexistindo acusação no sentido formal não autorizam o contraditório, sob pena de tornar a apuração de qualquer fato inviável, com a instauração de contraditório quando, sequer, exista um indiciado.”
Portanto, a sindicância é mero procedimento investigativo, sendo incabível a apresentação de defesa, visto que somente pode haver defesa após a formalização de acusação, e esta somente se formaliza quando da instauração do processo administrativo disciplinar, sendo afrontante ao direito brasileiro a utilização da Sindicância como procedimento sumário para aplicação de penalidades, mesmo de menor monta, como costuma fazer a Administração Pública no Brasil.
BIBLIOGRAFIA:
MEIRELLES, Hely Lopes, “Direito Administrativo Brasileiro”, Malheiros Editores, São Paulo, 1996.
Visconde do Uruguay, “Ensaio sobre o Direito Administrativo”, vol I, 1862, p. 120.
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